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Economia Elementar do Bitcoin: Análise da Produção, Demanda por Transações e Valor

Uma análise económica do Bitcoin que combina a procura por transações e a oferta de poder computacional, examinando os fundamentos do preço, incentivos aos mineiros e a sustentabilidade futura da rede.
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1. Introdução

O Bitcoin representa uma experiência socioeconómica única, combinando um registo distribuído com uma estrutura de incentivos orientada pelo mercado para a segurança (mineração). Este artigo fornece uma análise económica elementar focada na interação entre a oferta de poder computacional (hashrate) pelos mineiros (produção) e a procura de Bitcoin para realizar transações. A motivação central é compreender os fatores fundamentais que impulsionam o valor do Bitcoin, especialmente à medida que a rede transita de um modelo baseado em subsídios de recompensa de bloco para um modelo impulsionado por taxas, e avaliar a hipótese relativa à ausência de fundamentos económicos para o seu preço.

2. Estrutura Económica Central

A economia do Bitcoin é modelada através de dois agentes principais: os mineiros (produtores) e os utilizadores/consumidores.

2.1 Oferta dos Mineiros & Custo de Produção

Os mineiros fornecem poder computacional (hashrate, $H$) para proteger a rede e processar transações. A sua produção é medida em hashes por segundo. A oferta de hashrate é impulsionada pela maximização do lucro, onde as receitas provêm das recompensas de bloco ($R$) e das taxas de transação ($F$), e os custos incluem despesas de capital (equipamento) e despesas operacionais (energia, mão de obra). Sob concorrência perfeita, o custo marginal de produzir uma unidade de hashrate é igual à receita marginal esperada. Um modelo fundamental de custo de produção, referenciado a partir de Hayes (2015), sugere uma relação entre o preço do Bitcoin ($P$), o hashrate ($H$) e o custo energético ($E$).

2.2 Procura por Transações dos Consumidores

Os consumidores procuram Bitcoin principalmente para facilitar transações na sua rede. O artigo considera inicialmente um modelo simplificado onde a procura é puramente para transações, excluindo os efeitos significativos do acumular (hoarding) (reserva de valor) e da especulação. Postula-se que a procura por transações ($D_T$) é uma função do preço do Bitcoin e do volume de atividade económica desejada na blockchain.

3. Análise do Equilíbrio de Mercado

3.1 Tese do Preço Indeterminado

O argumento central do artigo é que a condição de equilíbrio de mercado — onde a procura de Bitcoin para transações é igual à "oferta" de liquidez de Bitcoin facilitada pelos mineiros — é insuficiente para determinar uma taxa de câmbio única ($P$). O modelo de custo de produção determina a oferta de hashrate para um determinado preço, não o preço em si. Portanto, dentro desta estrutura elementar que exclui o acumular (hoarding), o preço do Bitcoin carece de uma âncora económica fundamental e está livre para flutuar com base no sentimento especulativo.

3.2 Papel do Halving & Taxas

A análise projeta o impacto dos eventos periódicos de "halving", que reduzem a recompensa de bloco. Argumenta-se que o efeito direto no preço pode ser atenuado. A implicação crítica é a transição forçada para que as taxas de transação constituam uma parte maior da receita dos mineiros. O artigo alerta que o aumento das taxas pode prejudicar a competitividade do Bitcoin (por exemplo, face ao Ethereum) e que o declínio da receita dos mineiros pode afetar negativamente a perceção do Bitcoin como uma reserva de valor segura, afetando indiretamente o seu preço.

4. Modelo Técnico & Fórmulas

A lógica económica é sustentada por relações matemáticas chave:

  • Lucro do Mineiro ($\pi$): $\pi = (R + F) \cdot \frac{H_i}{H_{total}} - C(H_i)$ onde $H_i$ é o hashrate individual, $H_{total}$ é o hashrate total da rede e $C$ é a função de custo.
  • Condição de Custo Marginal (Equilíbrio Competitivo): Sob concorrência, os mineiros entram/saem até o lucro ser zero. Isto implica que o custo médio por hash é igual à recompensa esperada por hash: $\frac{C(H)}{H} \approx \frac{R+F}{H_{total}} \cdot P$. Isto pode ser reorganizado para mostrar a oferta de hashrate como uma função do preço: $H_{supply} = f(P, R, F, E)$.
  • Condição de Equilíbrio: O modelo postula um equilíbrio onde o valor em dólares do Bitcoin procurado para transações é igual ao valor em dólares das recompensas ganhas pelos mineiros (simplificado): $D_T(P) \cdot P = (R + F) \cdot P$. No entanto, esta equação simplifica-se frequentemente de uma forma que cancela $P$, levando à conclusão do preço indeterminado.

5. Contexto Empírico & Investigação Prévia

O artigo situa-se num panorama empírico contestado. Cita estudos como Hayes (2016, 2019) e Abbatemarco et al. (2018) que encontraram correlação entre o preço do Bitcoin e um modelo de custo de produção. Por outro lado, refere o trabalho de Baldan e Zen (2020) que não encontrou tal ligação, atribuindo as discrepâncias a diferentes períodos de tempo e estados de mercado (equilíbrio vs. desequilíbrio, bolhas). A contribuição do autor é o argumento teórico de que estes modelos determinam a oferta, não o preço, e o equilíbrio pode ser fugaz ou não único.

6. Perspetiva do Analista Crítico

6.1 Ideia Central

Este artigo fornece uma dose crucial e realista da realidade: O preço do Bitcoin, num modelo puro de utilidade-transação, é fundamentalmente desancorado. Esqueça por um momento a narrativa do "ouro digital"; se as pessoas usassem BTC apenas para pagar coisas, o seu valor seria puramente especulativo, ditado pelo sentimento, não por bases de custo. Isto desafia diretamente a crença fundamental de muitos investidores que apontam para os custos de mineração como um piso de preço. O autor não está apenas a modelar; está a expor uma vulnerabilidade existencial potencial.

6.2 Fluxo Lógico

O argumento é elegantemente simples e devastador. 1) Os mineiros oferecem hashrate com base na receita esperada (uma função do preço). 2) Os utilizadores procuram BTC pela sua utilidade transacional. 3) Em equilíbrio, o valor em dólares da procura por transações deve corresponder à receita dos mineiros. Mas aqui está o ponto crucial: numa formulação simples, a variável preço ($P$) cancela-se em ambos os lados desta equação de equilíbrio. O sistema determina o nível de atividade económica (hashrate, volume de transações), mas não o preço unitário do ativo que a facilita. O preço é uma variável livre, abrindo a porta à volatilidade extrema que observamos.

6.3 Pontos Fortes & Fraquezas

Ponto Forte: O maior ponto forte do artigo é o seu foco afiado nos primeiros princípios. Ao remover o ruído da especulação e do acumular (hoarding), isola a economia central da utilidade transacional e revela a sua insuficiência. O aviso sobre a segurança baseada em taxas e a competição com o Ethereum é premonitório e alinha-se com os debates atuais sobre Layer-2 e o mercado de taxas.
Fraqueza Crítica: A simplificação fatal do modelo é a exclusão inicial da procura por acumular/reserva de valor. Isto é como analisar a economia do ouro ignorando o seu papel como ativo de reserva. Como observado pelo Banco de Pagamentos Internacionais (BIS) no seu trabalho sobre avaliações de criptomoedas, o principal impulsionador dos preços dos ativos criptográficos é a procura especulativa e de investimento, não a utilidade transacional. A conclusão do "preço indeterminado" é quase uma tautologia uma vez que se remove o principal motor da procura. No entanto, esta fraqueza é parcialmente reconhecida e torna-se a ponte do artigo para a realidade: o preço é definido pelos próprios fatores (acumular/especulação) que o modelo inicialmente exclui.

6.4 Conclusões Práticas

Para investidores: Parem de confiar no "custo de mineração" como um piso rígido. É um resultado de equilíbrio dinâmico, não um input independente. Uma queda sustentada do preço pode e irá retirar hashrate da rede, recalibrando a base de custos para baixo.
Para desenvolvedores/defensores da rede: O artigo soa um alarme máximo sobre a transição para as taxas. Confiar em taxas elevadas para proteger uma rede de vários biliões de dólares é um jogo perigoso que cede a narrativa dos pagamentos aos concorrentes. O foco deve estar em soluções de escalabilidade (como as inovações vistas no roteiro centrado em rollups do Ethereum) que mantenham as taxas baixas enquanto protegem o valor através de outros meios (por exemplo, staking, restaking).
Para investigadores: Testem as implicações do modelo durante diferentes regimes. O preço torna-se mais correlacionado com métricas de utilidade na blockchain (por exemplo, NVT Ratio) e menos com o hashrate durante os mercados em baixa, quando a especulação recua? Isto poderia validar a ideia central.

7. Estrutura de Análise: Um Caso Simples

Cenário: Assuma um período simplificado onde a recompensa de bloco $R = 6.25$ BTC, a taxa média $F = 0.1$ BTC/bloco, e o custo global de energia $E = \$0.05$ por kWh. O modelo de custo de produção pode implicar um hashrate de rede $H$ que é economicamente sustentável a um determinado preço do Bitcoin $P_1$.
Verificação do Equilíbrio: Se a procura por transações dos utilizadores, valorizada em dólares, for $D_T = \$10$ milhões por dia, e a receita diária total dos mineiros em dólares for $(6.25 + 0.1) \cdot P_1 \cdot 144 \approx 914.4 \cdot P_1$, a condição de equilíbrio $10,000,000 = 914.4 \cdot P_1$ sugeriria $P_1 \approx \$10,940$. No entanto, se a procura especulativa evaporar e o preço cair para $P_2 = \$5,000$, o modelo mostra que os mineiros tornar-se-ão não rentáveis, o hashrate $H$ cairá até ser encontrado um novo equilíbrio de custo mais baixo. A equação de procura por transações $10,000,000 = 914.4 \cdot P_2$ já não se verifica, revelando que o preço de "equilíbrio" original dependia de um nível de atividade económica que, por sua vez, depende do preço. Esta circularidade ilustra a indeterminação.

8. Perspetivas Futuras & Desafios

O futuro da economia do Bitcoin depende da resolução da tensão identificada no artigo:

  • O Dilema do Orçamento de Segurança: À medida que as recompensas de bloco diminuem, obter segurança suficiente (hashrate) apenas a partir de taxas é um grande desafio. Taxas elevadas são antitéticas ao seu uso como um sistema de dinheiro eletrónico ponto a ponto.
  • Competição com Plataformas de Contratos Inteligentes: Como referido, o Ethereum e outras cadeias oferecem utilidade mais versátil, potencialmente atraindo receitas de taxas e a atenção dos desenvolvedores. O futuro do Bitcoin pode depender de ecossistemas robustos de Layer 2 (Lightning Network, sidechains) que agregam transações, mantendo as taxas da camada base baixas enquanto permitem casos de uso de alto volume.
  • Evolução dos Motores da Procura: A narrativa da reserva de valor deve solidificar-se para fornecer a estabilidade e valorização do preço que incentivam a mineração sem taxas exorbitantes. Isto envolve uma adoção institucional mais ampla, clareza regulatória e integração no sistema financeiro tradicional.
  • Adaptação Tecnológica: Inovações na eficiência da mineração (por exemplo, ASICs de próxima geração, uso de energia desperdiçada) podem baixar a curva de custos, ajudando a proteger a rede a níveis de preço mais baixos.
A trajetória de longo prazo será determinada pela capacidade do Bitcoin de transitar com sucesso de um modelo de segurança baseado em subsídios para um modelo sustentável, baseado em taxas ou em incentivos alternativos, sem comprometer a descentralização ou a segurança — uma transição que nenhum grande sistema monetário teve de conceber em tempo real.

9. Referências

  1. Perepelitsa, M. (2022). Elementary Bitcoin economics: from production and transaction demand to values. arXiv:2211.07035.
  2. Hayes, A. (2015). Cost of Production and Bitcoin Price. SSRN.
  3. Hayes, A. (2019). Bitcoin Price and its Marginal Cost of Production: Support for a Fundamental Value. Applied Economics Letters.
  4. Baldan, F., & Zen, F. (2020). The Cost of Production of Bitcoin and its Relation with its Price. Finance Research Letters.
  5. Garcia, D., et al. (2014). The digital traces of bubbles: feedback cycles between socio-economic signals in the Bitcoin economy. Journal of the Royal Society Interface.
  6. Cheah, E.-T., & Fry, J. (2015). Speculative bubbles in Bitcoin markets? An empirical investigation into the fundamental value of Bitcoin. Economics Letters.
  7. Bank for International Settlements (BIS). (2022). Annual Economic Report. Chapter III: The future monetary system.
  8. Abbatemarco, N., et al. (2018). Bitcoin: an empirical study on the relationship between price, hashrate and energy consumption.